Às vezes dou por mim a olhar para as coisas que me rodeiam e a pensar nas vidas que terão tido antes de terem chegado a minha casa. Acontece-vos o mesmo? A verdade é que a vida é efémera e os objectos costumam viver mais tempo do que as pessoas (se alguma vez tiverem passado pela experiência de desfazer a casa de alguém que tenha morrido saberão bem aquilo a que me refiro). Talvez tenhamos herdado coisas dos nossos pais ou avós, ou talvez tenhamos comprado objectos deixados neste mundo por pessoas desconhecidas. Acredito que as coisas não são apenas coisas. Os objectos encerram em si muitos significados (bons e maus… se forem maus, por favor livrem-se deles rapidamente). Vivemos as nossas vidas rodeados de bens materiais e, na minha opinião, há que dar-lhes importância. É fundamental fazer escolhas conscientes, seleccionar peças bonitas, práticas (no sentido em que elas devem estar ao nosso serviço, e não o contrário) e, já agora, que nos contem uma história interessante.
O caso de um artefacto feito à mão é o mais flagrante: basta fixar o olhar nele e encontraremos traços da pessoa que o fez. Mas os objectos também podem evocar memórias (de alguém ou de alguma casa que nos marcou), e as peças mais antigas podem até fazer-nos querer saber mais sobre a história da nossa família, ou da fábrica de onde provêm, ou mesmo de uma era ou região em particular.
No domingo passado pus a mesa do Dia do Pai com objectos de diferentes proveniências. Os copos pintados à mão são um prémio que recebi por ter ganhado um concurso de mesas no Natal passado. Foram pintados em Barcelona por duas amigas, a Clara Riera and a Maite López-Fonta, criadoras da empresa Los Vasos de Água Clara, e podemos apreciar em cada pincelada a destreza de uma mão humana. O faqueiro tailandês de bronze foi comprado por mim, num site de segunda-mão, a um casal de Vitória, que o trouxe como recordação de uma viagem à Tailândia feita há 30 anos. Antes de ter sido posto à venda, o faqueiro só tinha sido usado duas vezes. Em relação aos pratos… bem, posso contar-vos que um dos meus passatempos de infância era explorar os armários de casa da minha avó (com o seu conhecimento, evidentemente… não andava a fazer nada às escondidas) e fazer perguntas sobre tudo. De quem eram aqueles romances “de cordel” na prateleira de cima da despensa dos brinquedos (havia um armário no fim do corredor que tinha sido transformado numa casa de bonecas quando a minha mãe era pequena, e o meu irmão e eu passávamos lá horas)? Eram de uma tia-bisavó solteira (a senhora mais amorosa que possam imaginar, e que viveu sempre com a minha avó, a sua sobrinha). E aqueles pratos verdes no fundo daquele outro armário? “Bem”, respondia a minha avó, sempre cheia de paciência, “isso é o que ficou do serviço de jantar dos meus avós.” Quando a minha avó foi viver para um lar e desfizemos a sua muito recheada casa em Lisboa, fiquei a saber mais coisas sobre esses trisavós, através de fotografias e de pequenos objectos pessoais. E os pratos ficaram para mim. Agora uso-os na nossa mesa e não consigo deixar de pensar em como seria a mesa desses trisavós, quem seriam eles realmente e em que circunstâncias terão escolhido este serviço inglês. E pergunto-me onde estarão as minhas coisas daqui a cem anos.
Do you ever find yourself looking at the things around you and wondering about their previous lives? The truth of the matter is that life is very transient and objects tend to outlive people (if you’ve ever had to clear out a house after a death you’ll know exactly what I mean). You might have inherited things from your parents and grandparents, or you may have gone out and bought things that have been left in this Earth by people unknown to you. I believe that stuff isn’t just stuff. Objects hold meaning (both good and bad… if it’s bad, chuck them out). The things you surround yourself with matter too much not to give them any thought. After all, you go through life with them. They should be beautiful, they should be practical (in the sense that they should serve you, not the other way round) and isn’t it lovely when they tell a story?
They can tell us about the person who’s made them, if it’s something handmade; they can evoque memories of a particular person or house; they can even make you want to dive deeper into your family’s history, or the history of a maker/manufacturer or of a particular time and place.
Last Sunday I set the table for our Father’s Day lunch with a number of objects with very different provenances. The hand-painted glasses were a prize for winning a table setting contest last Christmas. The glasses were painted in Barcelona by two friends, Clara Riera and Maite López-Fonta, creators of Los Vasos de Água Clara, and you can see traces of a skilled human hand in every brush stroke. I bought the Thai bronze cutlery on a second-hand website to an older couple in Vitória, who’d brought it with them as a souvenir from a trip to Thailand 30 years ago. It had been used only twice prior to being sold. As for the plates… well, one of my childhood hobbies was to rummage through my granny’s cupboards (with her knowledge, naturally… I wasn’t snooping around) and asking questions about every single thing. Whose romantic novels were those on the top shelf of the toy “pantry” (there was a built-in cupboard at the end of a long corridor that had been turned into a doll’s house when my mother was little; my brother and I used to spend hours in there)? They’d been read by a great-great aunt, who never married (she always lived with my grandmother, her niece, and she was the loveliest lady you can imagine). What about those old green plates in the back of another cupboard? “Well”, my granny would patiently answer, “those are what’s left of my grandparents’ dinner service.” When my grandmother went to live in a nursing home and we cleared out her very full flat in Lisbon, I learned more about those great-great-grandparents through photos and old mementos. And I got to keep the plates. Now I use them on my own table and I can’t help but wonder what the conversation around their table was like. Why did they choose that particular English stoneware service? What kind of people were they? And where will my belongings be in a hundred years’ time?
A vida é demasiado curta para não usar as coisas boas (não guardem nada para ocasiões especiais — o que interessa é o aqui e o agora) e também passa demasiado depressa para não explorarmos os nossos interesses, mesmo que sempre tenhamos acreditado que nunca seremos capazes de fazer x, y ou z. Eu, por exemplo, adoro tudo o que esteja relacionado com a natureza: plantas, jardins, museus de história natural, chintz, flores de papel, quadros de naturezas mortas, ilustrações botânicas. Quando surgiu a oportunidade de assistir a umas aulas de aguarela botânica nem pensei duas vezes. Não nasci com jeito para desenhar nem pintar e sei que nunca serei realmente boa nisso, mas adoro aprender coisas novas e agora estou a ter aulas no Zoom com a Katharine Amies. Esta semana vamos pintar um narciso… mal posso esperar.
Life is too short not to use your good things (save nothing “for best” — what matters is the here and now) and it goes by much too quickly not to pursue your interests, even if you’ve been holding “limiting beliefs” that you’ll never be good at x, y or z. I love everything nature-related: plants, gardens, natural history museums, chintz, paper flowers, still life paintings, botanical drawings. And when the chance to learn botanical watercolour presented itself to me, I jumped at it. I’m not naturally gifted at drawing or painting. I’ll never be “good”. But I so enjoy learning new skills, and now I’m taking Zoom classes with Katharine Amies. This week we’re going to paint a daffodil… I can’t wait.
Aprender uma técnica nova com um professor é a situação ideal, mas por vezes a única maneira possível de aprender é sendo autodidacta. Ando há uns tempos a tentar perceber como se fazem abat-jours de tecido à mão e finalmente completei este conjunto de três. A minha casa vai lentamente ficando cada vez mais composta… ênfase na palavra “lentamente”. Ainda há tanto por fazer e sinto que as tarefas do dia-a-dia me roubam muito tempo, tempo esse que eu preferiria dedicar à minha longa lista de projectos. É difícil uma pessoa não se deixar consumir completamente pelas obrigações diárias, mas também tenho bem presente a noção de que estas obrigações são, de facto, os privilégios de todos aqueles que têm a sorte de ter uma vida normal, vivida num país onde há paz e prosperidade.
As valuable as it is to have a proper teacher, sometimes you’re forced to take a self-taught approach to a subject that interests you. For a while now I’ve been teaching myself how to make lampshades and I have finally completed these three box pleated ones. My house is slowly getting put together… emphasis on the word “slowly”. There’s still so much to be done and I feel that the necessary, everyday chores keep me from getting to my very long to-do list. You know, things like food and clean clothes and those little, yet very consuming obligations on those of us lucky enough to live a normal life, in a country where there is peace and prosperity.
E para acabar, umas palavras acerca da newsletter da semana passada sobre likes e comentários. Em primeiro lugar, muito obrigada pela vossa resposta. Foi incrível poder conversar com tantas de vocês. Há aqui pessoas que me acompanham há 15 anos e que nunca me tinham deixado um comentário ou mandado um email, e esta semana pude ficar a conhecer algumas dessas pessoas. Não queria de maneira nenhuma apontar o dedo a ninguém com a minha reflexão da semana passada, a única coisa que eu estava a tentar fazer era mostrar-vos o reverso da medalha… a perspectiva de alguém que “cria conteúdo” (argh! não gosto mesmo nada desta expressão) e que também o consome.
Mas o que mais me surpreendeu foi ficar a saber que muitas de vocês não escrevem comentários porque não querem “ser inconvenientes” ou “incomodar”. Algumas pessoas até confessaram que nunca comentam porque acham que não têm nada de interessante para dizer. Fiquei admiradíssima com tudo isto, e não consigo deixar de pensar que são traços muito femininos… afinal, fomos educadas para sermos agradáveis, não colocarmos ninguém numa situação incómoda… Mas entristece-me saber que algumas de vocês tenham permanecido em silencio por acharem que eu não vos quereria ler. É que é exactamente o contrário! Comentários genuínos e amáveis fazem toda a diferença. Se gostam de um post, digam-no! Não é preciso escrever uma tese nem demonstrar sinais de inteligência e sentido de humor, basta partilhar um pensamento, uma memória ou um sentimento. Basta demonstrar que somos humanos.
Até à próxima, espero que fiquem bem,
Constança
And just before I wrap this up, a word about last week’s newsletter on likes and comments and your reaction to it. First of all, thank you for your response. It was amazing to connect with so many of you. There are people here who’ve been following me for 15 years and had never left a comment or sent me an email, and this week I got to know a few of you. That’s just amazing. I wasn’t pointing fingers at anyone who just “likes” and never comments, I was just trying to show you the other side of the coin… the perspective of someone who both “creates content” (cringe!) and consumes it.
But the most surprising thing of all was to learn that most of you don’t comment because you don’t want to “impose” or “be a bother”. Some people even worried that they wouldn’t be able to write a relevant comment. I was so perplexed by this sentiment and I can’t help but think that this is an extremely feminine trait. After all, we were raised to be agreeable and never to make anyone feel uncomfortable. But it saddens me to think that some of you have been silent because you feel that I might not want to hear from you… that couldn’t be farther from the truth. Genuine, kind comments can make such a world of difference. If you like a post, just say so. No need to be clever or funny, just share a thought, a memory or a feeling. Show us that you’re a lovely human.
Until next week, take care,
Constança
Olá!
Estou tão feliz ( sim , porque felicidade para mim são momentos que me fazem vribrar a alma ) e este momento de leitura deixou-me assim . Ainda não li a publicação passada , que seria a minha primeira leitura desde que aqui cheguei , lá irei .
Gosto muito do que demostra ser. Obrigada
Olá Constança,
Identifiquei-me imenso com esta tua newsletter. Porque eu cresci a brincar com os "tesouros" encerrados num baú pertencentes à minha avó, que tinha falecido poucos meses antes de eu nascer. Eu achava as peças do trem de cozinha e alguns elementos decorativos que a minha mãe guardou (já era hábito guardar as peças boas num baú) porque tudo aquilo me parecia mágico e precioso. O serviço de jantar que tenho em casa e uso quando recebo amigos era do enxoval da minha mãe e ela nunca o usou, tal como sucedeu com o faqueiro. Quem o tem usado sou eu, apesar de pertencer ao enxoval dela. Uso-o na mesma lógica que mencionas, o que é bom é para ser usado, e sempre que o ponho na mesa lembro-me dela e de como ela nunca desfrutou dele.
E eu pergunto-me muito por onde é que certas coisas andaram, por onde passaram, quem as comprou pela primeira vez. E aí vem-me à memória um relógio de parede que era da minha avó e que tinha ainda a etiqueta original e a data de fabrico de 1910 numa fábrica de uns qualquer coisa Brothers, de Nova Iorque. E que eu adoraria exibir em minha casa, mas o meu tio exigiu-o como herança.
por sorte pude ficar com a máquina de costura Singer a pedal, que julgava eu seria de 1947, porque era essa a inscrição na cobertura junto às iniciais da minha avó. Mas vim a saber depois que essa terá sido a data em que ela a comprou em segunda mão, porque segundo o número de série no site da Singer, a data de fabrico é 1903.
Também eu me questiono o virá a ser de certos pertences meus, quando eu me for.
beijinhos